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Perdida

Foto de Stave Harvey — Unsplash

“Esse vai ser um dia daqueles”.

Foi seu primeiro pensamento, antes mesmo de estar ciente que acordara. Estava disposta a manter os olhos fechados para evitar a visão do teto de uma outra casa, tinha a impressão de ter dormido na cama de outra pessoa, de ter saído sem avisar ninguém na noite anterior, ter bebido mais do que conseguia aguentar, ou talvez menos do que precisasse, aos poucos entendia que tais pensamentos eram fragmentos de um sonho que tivera e por conta da desorientação de seus primeiros minutos acordada, se misturavam com a realidade.

Abriu os olhos para se angustiar com o borrão do teto de seu quarto branco, as piscadas violentas para acalmar uma mente atordoada e desmotivada, aos poucos reparava que se encontrava na mesma cama de sempre, no mesmo quarto, e que poderia ficar ali pelo resto do dia, oprimida pelo pessimismo que seu primeiro pensamento predestinava, poderia simplesmente ficar, mas sabia as consequências dessa escolha, o que não sabia era se estava disposta a lidar com as mesmas por conta de um simples pensamento.

Levantou da cama após minutos relutando, tentando raciocinar qual a melhor escolha a se tomar, o quão adiante deveria realmente levar aquela jornada que mal começara e já se mostrava um fracasso.

Concluiu que na cama somente prolongaria as horas do dia em que a angústia não permitiria sequer um segundo de descanso para a cabeça, agora ela se vestia buscando o visual mais casual possível para o trabalho, uma jeans neutra sem rasgos, uma blusa escura, um amarrador no pulso.

No espelho do guarda-roupa foi onde pode reparar na tinta verde desbotando de seu cabelo, as raízes que escureciam como se mortas, para ela era como se os fios já tivessem desistido dela e daquele dia.

Já não conseguia lembrar do castanho claro natural de seu cabelo, a coloração em decomposição a incomodava por engrandecer suas olheiras e o cansaço de um corpo murcho.

O lábio estava rachado, não lembrava da última vez que tomara água, nem de como tinha ido dormir, na realidade, lembrava de muito pouco e quase tudo que agora fazia não passava de reações automáticas, ainda sentia dificuldade em separar o sonho da realidade.

A pele estava pálida, mas isso não a preocupava mais, sabia que logo começaria a sentir pontadas das constantes dores de cabeça se ficasse enrolando para se arrumar, precisava então relaxar antes de sair do quarto para realmente começar a enfrentar o dia.

Em meio à cadernos espalhados na mesa, um puff retangular caído, cobertas jogadas no chão, e tantas outras coisas que deixava de organizar, ela encontrou a bolsa escura que lhe acalmaria.

Assim como quando se vestiu, puxou sua bolsa de forma automatizada, e com ela em mãos, buscou por um bolsinho interno, de onde tirou sua carteira de cigarros. Era mais cedo do que costumava fumar num dia razoável, mas esse não estava nem perto de ser um dia razoável.

Puxou um isqueiro do mesmo bolso e largou a bolsa no chão. Agora sofria tentando acender uma chama do isqueiro, como se suas mãos tivessem desaprendido algo ao qual já era acostumada.

Tentou duas, três, sete vezes sem sucesso. O espelho refletia sua fraqueza, um cigarro na boca e duas mãos no isqueiro.

“Patética, por que você ainda tenta?”

Largou tudo que tinha pego, precisava sair do quarto o quanto antes, entraria em desespero se persistisse em permanecer ali, as primeiras pontadas de uma dor de cabeça surgiam, o que a fez desejar não ter saído da cama.

Puxou o celular da escrivaninha bagunçada, pensou em pegar o fone de ouvido, mas não lembrava onde havia deixado o mesmo, sem olhar pra trás deixou enfim seu quarto.

Passou no banheiro do corredor para se lavar, arrependeu-se de olhar novamente para o espelho, portanto escovou os dentes no corredor mesmo, sentou no chão esticando suas pernas lentamente, sentindo os músculos descontraindo dolorosamente. Somente sentada foi capaz de reparar que ainda estava descalça, com os pés cobertos apenas por um par de meias pretas. Havia esquecido de calçar um tênis, e agora nem mais escovava seus dentes só de pensar em voltar para seu quarto.

Puxou o celular do bolso, estava quase atrasada para pegar o ônibus, e se utilizando do mesmo já chegava encima da hora no trabalho, imagina se o perdesse.

Após alguns minutos sentada, resolveu que pegaria qualquer tênis que estivesse secando na lavanderia, estava decidida a não voltar para o quarto a qualquer custo, pensamento que a motivou a sair do chão, terminar de se lavar e partir de casa.

O All Star preto que pegou na lavanderia era velho, tinha um cheiro estranho que aparentemente só ela sentia, já que o resto de sua família e amigos nunca comentou sobre qualquer cheiro estranho vindo do tênis. Tinha o colocado para lavar ocultando que na realidade nunca mais iria usá-lo, sentia-se fracassando ao calçá-lo, assim como quando não conseguiu acender o isqueiro.

“Por que não desiste de uma vez? Ainda dá tempo.”

Sua mãe a repreenderia por tamanho pessimismo no início do dia, elas discutiriam tomando café da manhã, como uma cena de peça teatral ensaiada repetidas vezes, ambas aumentariam o tom de voz até o momento que ela decidisse sair batendo a porta, deixando a mãe discutindo sozinha como a deixara em outros momentos, quando ela ainda estava ali para ser deixada.

“Você precisa deixar tudo para trás como ela te deixou, desista.”

Não desistiu, e a cada passo em direção ao ponto de ônibus remoía essa decisão, como uma crescente enxaqueca que aumentava seu sentimento de culpa, sentia-se envolta por uma bolha de aflição que não deixava espaço para qualquer pensamento tranquilizador.

Sua caminhada era tão automática como qualquer outra ação anterior, ela já não enxergava a rua ao seu redor, apenas sentia, e o que sentia era o ar seco sufocante invadindo seus pulmões e um gosto amargo em meio as rachaduras de seu lábio.

No ponto de ônibus não havia mais lugar no banco para se sentar, um casal de idosos e dois adolescentes ocupavam todo o espaço, e o que a deixava frustrada era a realidade de que havia um canto em que poderia sentar, mas a mochila de um dos adolescentes o ocupava, algo que o mesmo estava ciente, mas nada faria se não lhe pedissem, estava em seu olhar, queria um contato verbal antes de ceder qualquer coisa, e isso a irritava.

Puxou o celular do bolso, deslizando o dedo entre as telas iniciais enquanto ficava de pé no aguardo do ônibus. A bateria estava em 45%, não duraria até o almoço, ela teria de pedir o carregador emprestado para um colega, pois não procurou pelo seu antes de fugir do quarto, ela não queria nada disso, e novamente se culpava por não ter desistido.

Quando o ônibus enfim chega, a bateria já caiu para 38% por ela apenas ficar deslizando seu dedo entre as telas iniciais, como se absorta naquela tarefa. Suspeitava que esquecia de algo, e quando levantou a cabeça reparou que a porta do ônibus estava aberta ao seu aguardo, o motorista com uma carranca esperando por sua entrada. Olhou para o banco agora que os adolescentes e o casal de idosos ocupavam agora vazio, só faltava ela, mas podia não entrar, podia largar tudo ali, dar meia volta e se trancar no quarto, como já fizera em outras oportunidades.

Sem pensar e nada expressar, entrou no ônibus sentindo um peso sob sua cabeça, crescendo a cada passo sem rumo, a cada ação automática. Sentou ao lado de uma mulher mais velha, não como o casal de idosos que antes vira, mais como, madura.

Sentia-se sendo julgada pelos demais passageiros, principalmente pela mulher ao seu lado, de cabelos castanhos e cacheados, olhar frio penetrador, acentuado por uma expressão de indiferença. Acreditava ter incomodado os passageiros com sua demora para entrar, a vergonha a dominava, sentia queimar o rosto e o único jeito de disfarçar o crescente desespero seria com o celular, mas ela precisava poupar bateria, haveriam situações piores a se enfrentar.

“Por que justo hoje, de todos os dias, por que acordar assim?”

Seriam três paradas antes de seu desembarque, ela tinha meia hora para pôr a mente no lugar, o que normalmente suas músicas ajudariam a disfarçar que estava acontecendo, dando-lhe a falsa, mas reconfortante sensação de controle.

Consideravelmente menos efetivas que o cigarro, as vozes de Joan Jett e Cherie Currie em Dead End Justice nos fones de ouvido ajudavam em locais cheios de gente de todo tipo como aquele, e agora a culpa era por ter se negado essa alternativa ainda no começo do dia.

Poucos saíram na primeira parada, como era de costume. Reparou em cada pessoa que passava e saia, os rostos eram os mesmos de sempre, suas expressões tranquilas ou cansadas, ou sem nada realmente expressar, isso a distraia, no entanto que evitasse o olhar da mulher ao seu lado, esse a assustava, precisava fugir daquele olhar para não desabar, sem ao menos saber explicar o porquê.

Perto da segunda parada começou a sentir o sufoco. Estava fraquejando novamente, a garganta secando, os braços fracos, a voz emudecida. Sentia a mulher ao lado mais próxima, seus cotovelos quase a encostar na divisa de acentos, sentia os outros julgarem, mesmo sem saber quem eram os outros.

“São apenas sensações”

Lembrava de uma voz familiar lhe dizendo isso certa vez, uma voz reconfortante, uma voz nem masculina nem feminina, uma voz no escuro. Uma voz em que acreditou, mas que agora não estava ali para ajudá-la.

Saiu na segunda parada. Levantou de supetão e meteu-se em meio aos passageiros que deixavam o ônibus, alguns burburinhos de reclamação, um olhar de estranheza do motorista que sabia não ser aquele o seu desembarque, mas a escolha era dela, aquele não era um problema de outro alguém, ninguém poderia dizer o que ela passava, o que ela sentia e o que evitava, ela lidaria com a angústia daquele dia sozinha, e todos ao seu redor estavam satisfeitos em nada ter a ver com isso.

Não sabia dizer em que rua estava, nunca desceu na segunda parada, jamais mudou o trajeto sequer um dia. Levantava, se arrumava, as vezes comia uma torrada e pegava o ônibus, chegava no escritório de advocacia do amigo de seu pai, e só saia para almoçar no bandeijão ao lado, maioria das vezes sozinha, pois preferia evitar a companhia de seus colegas.

Voltava desanimada ao trabalho às 13h30min, para então ser liberada somente no fim da tarde, quando pegava o último ônibus para casa. Odiava o emprego em cada minuto do trajeto, odiava todo o processo desde a indicação, o pai forçando-a aceitar a proposta, o amigo do pai a tratando como um peso, mesmo que a pagasse menos de R$800,00 por mês, afinal de contas ela era só uma garota de atendimento, nem sequer uma estudante de direito, estava lá por favor, e assim seria tratada enquanto lá continuasse.

Evitou pensar no trabalho, teria muito o que ouvir mais tarde por ter faltado, escolha que felizmente ou infelizmente a ajudaria ao menos a superar o dia, não sabia ao certo se conseguiria de fato driblar sua angústia e pessimismo.

Buscou entender onde estava e reparou que aquelas não eram ruas estranhas, morou a vida inteira naquela cidade, sabia que conhecia aquelas ruas e apenas não conseguia lembrar, como se houvesse uma lacuna na memória. Já havia saído com amigos para todos os cantos que podia, somente agora que se via sozinha entendeu o quão pouco conhecia aquele lugar, nunca parou para prestar atenção ao seu redor.

Edifícios comerciais de dez, doze e treze andares ocupavam boa parte do quarteirão, os vendedores ambulantes estavam arrumando seus espaços em meio às calçadas, expondo relógios, carteiras, colares e tapetes, havia uns quatro só naquela rua, os quais ela normalmente nem repararia.

Caminhou em meio aos comerciantes com o sentimento de aflição crescente, mas com a dor regulada, não sentia estar fazendo algo errado ao tentar evitá-los, ainda mais quando reparou que os mesmos nem tentavam abordá-la para comprar algo, essa indiferença mútua lhe acalmava e fazia parecer estar num dia completamente diferente, como se todo o sufoco silencioso que passará até então nem houvesse ocorrido.

Aos poucos a constante necessidade de largar tudo era substituída pelo receio de estar sozinha num lugar estranho, a cada esquina que chegava, pessoas passavam como se a encarando, analisando, julgando, assim como no ônibus, assim como no olhar da mulher que sentou ao seu lado. Podia ter se livrado daquele lugar, mas não conseguia se livrar da sensação.

“Pode ser tudo coisa de sua cabeça, quase sempre é, lembra?”

Não, não lembrava, a sensação permaneceria consigo onde quer que fosse.

Respirou fundo três vezes antes de continuar andando sem rumo, na terceira vez sentiu o familiar cheiro de café, lembrou de existir uma padaria no quarteirão que costumava frequentar com Júlia, a melhor amiga. Pensar em Júlia (ou seria lembrar?) a confortou mais do que imaginava, queria chamá-la naquele momento, mas seu braço endureceu antes mesmo de tentar puxar o celular, como se avisando de que aquela não era uma boa ideia.

Resolveu guiar-se pelo cheiro, lembrava aos poucos das construções ao redor, da rua, dos moradores, realmente era um lugar que costumava frequentar a muito tempo atrás, estava num centro comercial composto por lojas e mais lojas de roupas, das mais chiques até as mais simples, reconhecia algumas de uma adolescência que já não mais entendia, muito antes de ter se posto embaixo de uma enorme bola de neve que não saia mais do lugar.

Não havia residências por ali, lembrou-se de ser uma rua conhecida pelas lojas mais caras da cidade, poucas eram as pessoas que moravam por ali, e mesmo assim circulava muita gente, sempre muita gente.

Assim que chegou ao semáforo que separava o lado da rua que se encontrava com o oposto, onde ficava a padaria, preocupou-se com como iria pagar por algo, passou a tatear os bolsos da jeans e felizmente encontrou alguns trocados esquecidos a mais tempo do que ela poderia imaginar.

No que pode atravessar a rua e chegar à padaria, reparou em como todo aquele ambiente permanecia o mesmo. Um balcão de madeira expondo doces e salgados, uma atendente jovem (e diferente da que ali trabalhava na época em que vinha com Júlia), mesas e cadeiras também de madeira, o interior da padaria era em formato de L, sendo que a curva do “L” era aonde mais gostava de sentar-se com a melhor amiga. Lá elas ficavam sozinhas, falando do que viesse na cabeça, algo que agora, ela sentia profunda saudade.

Resolveu evitar a nostalgia e sentou-se na mesa mais próxima do balcão e entrada da padaria, caso precisasse sair com pressa. Pediu um café preto sem açúcar, algo que normalmente repudiaria, mas que nesse momento desejava para fugir do transe, servindo como um soco no estômago, dos mais dolorosos.

Queria acordar, perceber o mundo ao redor, a vida acontecendo, queria mais do que tudo, apagar os momentos em que viverá ali e em tantos outros lugares, dessa forma deixando para trás a melancolia que a perseguia.

Enquanto esperava sentiu alívio por alguns breves minutos, não havia ninguém na padaria além dela, quatro mesas vazias num amplo espaço a confortavam do sufoco que sentiu no ônibus. Todo mundo devia estar trabalhando, como ela devia, e com esse pensamento veio o fim de sua paz, seguido da vibração do celular.

Estavam ligando do escritório, ela estava uma hora atrasada e não sabia como havia se passado tanto tempo, jurava ter caminhado por menos de cinco minutos. Resolveu que não atenderia, sentia medo, não sabia o que falar, não queria ter que falar, não era a primeira vez que faltava no trabalho, seu pai mais do que ninguém sabia como odiava a função que exercia, mas as coisas tinham de funcionar do jeito dele, ou de jeito nenhum, então por ora, ela evitaria tudo que a fizesse pensar no trabalho ou em seu pai.

Desligou o celular.

“Preciso falar com Júlia”

Entre o preciso e farei existe um desfiladeiro de distância, foi o que o café a lembrou ao amargar ainda mais o gosto em seus lábios, sentiu que o calor na boca misturava-se com um pouco de sangue, estava tão nervosa com a ligação que uma simples mordida no lábio inferior agora era uma marca profunda, por isso puxou um guardanapo para delicadamente se limpar, não queria sentir mais dor. Constatou que o lábio sangrava, mas de leve, tomando o café com mais calma e evitando distrair-se, conseguiria evitar um possível fiasco.

Isso ao menos se sentisse vontade de voltar a tomar o café, vontade que ao descer a xícara da boca já não mais existia, na verdade, agora que olhava ao redor percebia que algumas pessoas começavam a entrar, compravam pão, salgados, docinhos e às vezes ficavam para conversar com a atendente ou algum companheiro.

Lembrava então de um encontro, a mais tempo do que gostaria de admitir, talvez fosse o último que marcou com um garoto, ao menos, lembrava de ter marcado, pois o garoto nunca apareceu, o rapaz que parecia ser diferente a deixou esperando por horas, como havia sido com os anteriores, não passava de um rapaz.

Tinha ficado frustrada ao mesmo tempo em que pouco surpresa, Júlia lhe avisou que não dava de confiar no papo daquele garoto, ela sempre sabia dessas coisas, e pensar nela já não era tão reconfortante.

O sufoco do ônibus voltava a emergir, dessa vez mais como um vômito, o sangue escorria do lábio, um filete discreto e gelado. Limpou-se, pagou o café inacabado e novamente atirou-se nas ruas.

“Qual é a porra do seu problema?”

Lembrava melhor dos arredores, aquelas talvez não fossem ruas tão estranhas, na realidade, estavam interligadas com histórias de seu passado, como a da padaria. Cada esquina era uma lembrança, um arrependimento diferente, um momento de alegria perdido, um amor esquecido, um segredo abandonado, uma promessa quebrada, um abraço não dado.

Chegou num parquinho após muito caminhar, como se deixasse partes e mais partes do passado para trás, mesmo que agora não conseguisse esquecê-las, sabia estar sobrecarregando.

Buscou concentrar-se no parquinho, mesmo que o conhecesse muito bem, olhava para tudo como se fosse a primeira vez, os bancos brancos de madeira dispostos em círculo, escorregadores e balanços coloridos, coisas que algum dia pertenceram à pessoas como ela. Coisas que algum dia lhe significaram o mundo, brinquedos que eram todo o seu universo, mas o que importava agora era apenas deitar num banco.

Sentia a pressão baixar, o café queimando sua boca, mesmo que não sentisse mais seu gosto. Júlia saberia o que fazer pra tirá-la dali, Júlia saberia fazer qualquer coisa, assim como um dia tantos outros souberam, mas decidiram deixar de saber, agora pensar na amiga era reconfortante, ela foi quem ficou em meio a tantas despedidas.

Num último esforço puxou o celular do bolso, ligou e aguardou.

8% de bateria.

1 chamada perdida do escritório.

45 mensagens de 3 conversas.

Nada daquilo importava agora, nem importaria mais tarde. Decidida como estava ao sair da cama, em meio à insuportável aflição, discou para Júlia.

-Oi miga, tá tudo bem contigo?

-Ju, tô na pracinha, tu pode vir aqui?

-Qual pracinha?

-Sei lá, aquela perto da padaria que a gente costumava vir.

-Sei qual é, posso ir mas vou demorar um pouco, pena levantei.

-Tudo bem, tenho tempo.

-Mas tu não devia…

-Não.

-Tá bom, logo tô aí.

-Por favor, traga uma carteira de cigarros, qualquer marca.

-Tá bom, beijos.

Ela sabia o que estava acontecendo, não era a primeira vez, e também não seria a última. Júlia era alguém que a entendia como ninguém, algo que nunca foi uma tarefa muito difícil, considerando o quão facilmente ela se abria para outras pessoas, confiava com mais facilidade do que gostava, até o momento em que se fechava para tudo e todos.

Constantemente deixada, era assim que se sentia, como lhe tratavam. Para estranhos era a genérica garota esquisita e deslocada. Para os garotos, era só mais uma, para alguns mais atraente, para outros menos. Prova disso fora o rapaz que passou pelo banco em que estava deitada, assoviando um fiu-fiu discreto, algo que fazia seu sangue ferver, e que normalmente era mais do que motivo suficiente para iniciar uma discussão.

“Foi muito baixo, ele vai dizer que estou inventando algo, ele vai dizer que estou me achando o máximo, querendo aparecer, eu conheço.”

Naquela situação tudo que mais queria era Júlia ali. Estava numa espécie de estado vegetativo, consciente da passagem do tempo, incapaz de se mover. Os minutos se tornavam horas, como se estivesse deitada naquele banco há uma eternidade esperando por socorro.

Sua cabeça foi movida por mãos morenas delicadas, agora recostada num colo nostálgico, abria os olhos saindo de seu estado de transe, para se deparar com o sorriso consolador de Júlia, a única pessoa que poderia estar fingindo toda aquela alegria ao lhe ver para disfarçar uma tremenda preocupação, algo que em tantos anos de amizade, ela não conseguia distinguir.

Acomodou-se ainda deitada, ficaria olhando para os céus com o rosto de Júlia complementando a paisagem, com sua camiseta branca com uma frase em inglês que apesar de não conseguir ler claramente, reconhecia ser a clássica “You are amazing”, seus cabelos escuros e cacheados davam graça para a vida ao redor.

Não conseguia encontrar seus olhos na posição em que estava, mas sentia o olhar carinhoso e vigilante da amiga a protegendo, muito diferente do que sentia da mulher no ônibus, das pessoas desconhecidas na rua, do garoto que furou o encontro, da despedida de sua mãe, do bom dia de seu pai, quando ele ainda dava bom dia antes de sair.

O conforto estava só em sua presença, ela nem havia começado a falar, pois sabia o que aconteceria quando começasse.

-Obrigada.

Júlia nada respondeu, somente puxou do bolso de seu shorts um cigarro e isqueiro, pôs na boca dela e acendeu.

O gosto era de menta, Júlia sabia que ela não era muito de sabores, mas por algum motivo, aquilo serviu como um sabor reconfortante para a situação.

-Sabe o que é engraçado? Eu não conseguia nem acender uma porcaria de cigarro hoje cedo.

-Pra mim engraçado é ver essa sua cara de boba encantada como se eu tivesse fazendo um truque de mágica ao acender o isqueiro.

As duas riram, Júlia apenas olhava para a rua, enquanto ela tragava seu cigarro, como se recuperando os sentidos, agora enxergava com um pouco mais de clareza.

-Eu queria parar.

-Eu sei disso miga, não precisa se culpar, essa Júlia aqui te conhece mais do que muito bem, e tá aqui pra te ajudar.

-Desculpa te fazer me suportar.

-Eu tô aqui porque quero, beleza? Agora vê se te aquieta aí, já vi tuas olheiras e sei que precisa descansa, teu pai vai encher o saco mais tarde e tu precisa de energia pra ficar acordada durante o sermão ao menos pra fingi que tá ouvindo.

-Isso se ele se importar com minha falta naquela merda de escritório.

-Ah então tu quer receber um sermão mesmo? Sem problema, se teu pai não vai falar nada eu mesma falo!

As duas riram novamente, era como se nada de angustiante houvesse ocorrido antes daquele momento. Ao menos pra Júlia isso era verdade, já para ela, aquele era só uma distração antes de desmoronar, já conseguia sentir subir o peso que falhou em segurar para si.

O cigarro inacabado caiu da boca, ela o soltou para fechar os olhos, os braços de Júlia agora cobriam seu rosto num abraço desajeitado, ela estava em seu casulo onde era livre para soltar o que quer que precisasse.

Chorou por minutos, soluçando de forma compulsiva de início e acalmando-se aos poucos, entre os soluços e as frases incompreensíveis ela deixou suas lágrimas escorrerem, junto da angústia de estar ali, se decompondo em mais um dia, desgastando-se num mundo cheio demais, ao mesmo tempo em que tão vazio.

Antes que se desse conta acabou dormindo, em meio às últimas lágrimas, estava sob o olhar protetor da pessoa que mais confiava.

Estava exposta ao público de quem tanto fugia, e agora se renovava, deixando para trás mais um dia daqueles, assim como o foram tantos outros, escrevendo mais uma história para ser esquecida em meio às ruas familiares que tão pouco conhecia.

-Boa noite Carol. — Sussurrou Júlia, acariciando o rosto de alguém que lhe encontrou um dia, para agora se ver perdida.

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