A ingrata vida de escritor

Um escritor diz o que sente, aquilo que pensa. Demonstra sua contradição, deixa seu sangue, expõe suas veias.

O leitor lê aquilo que gosta. O que nos move à leitura senão o prazer? O leitor se identifica com o texto, toma algo daquilo que está escrito para si.

Se não lhe serve, descarta. Segue em frente. Há muito para ler neste mundo. Por que perder tempo com um autor chato?

O escritor tem um ofício narcísico. Depende do que pensam dele. A gente sempre fantasia como seria legal encontrar nossos escritores favoritos, como eles devem ser uns caras legais. Eu adoraria sentar num bar com Hemingway ou conversar abertamente com Neil Gaiman sobre nossas coisas em comum. São como meus heróis.

O problema é que na vida real não há heróis. Vai saber o que realmente passa com quem escreve. Será que podemos separar a obra e a vida de um autor? A questão é muito mais complexa. Não há obra sem vida.

Quer dizer que a gente busca as vidas mais "interessantes" aos nossos gostos? Ter um escritor é bem pessoal então, como aquele advogado ou dentista de confiança da família.

Nem sempre ganhamos aplausos ao escrever. Ao filósofo Espinosa, por exemplo, só lhe faltaram cuspir em cima quando passava. Apenas porque ele dizia alguns séculos atrás que Deus e a natureza deviam ser a mesma coisa, algo que hoje parece razoável a muitos de nós.

O escritor é egocêntrico. Ele espera que a verdade que expressa seja apreciada pelo outro, seus leitores. Mas cada um está no mundo buscando sua própria verdade. Geralmente não estamos muito interessados no outro (escuta desinteressada é coisa de psicanalista), a menos que o outro tenha algo específico para mim que me sirva. O ser humano é bicho interesseiro mesmo. Não é motivo para falsas consternações. Mas quem escuta se não for pescado?

O leitor não busca o escritor. Ele quer encontrar o seu próprio reflexo. Sendo também leitores antes de escritores, sabemos que um escritor só pode levar seu leitor aonde ele queria chegar sem nós. O resto é para ser cuspido fora.

Penso então que a boa escrita é aquele escarro nojento no meio do rua. Essa que você desvia para não pisar e levar na sola do sapato.

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